Deputado Federal Jean Wyllys |
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O deputado federal Jean Wyllys, eleito pelo voto popular
como o melhor deputado federal de 2012, responde matéria preconceituosa contra
os LGBTs, publicada pela revista Veja e assinada pelo colunista José Roberto
Guzzo.
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Veja que lixo!
Eu havia prometido não
responder à coluna do ex-diretor de redação de Veja, José Roberto
Guzzo, para não ampliar a voz dos imbecis. Mas foram tantos os pedidos, tão
sinceros, tão sentidos, que eu dominei meu asco e decidi responder.
A coluna publicada na edição
desta semana do libelo da editora Abril — e que trata sobre o relacionamento
dele com uma cabra e sua rejeição ao espinafre, e usa esses exemplos de sua
vida pessoal como desculpa para injuriar os homossexuais — é um monumento à
ignorância, ao mau gosto e ao preconceito.
Logo no início, Guzzo usa o
termo “homossexualismo” e se refere à nossa orientação sexual como “estilo de
vida gay”. Com relação ao primeiro, é necessário esclarecer que as orientações
sexuais (seja você hétero, gay ou bi) não são tendências ideológicas ou
políticas nem doenças, de modo que não tem “ismo” nenhum. São orientações da
sexualidade, por isso se fala em “homossexualidade”, “heterossexualidade” e
“bissexualidade”. Não é uma opção, como alguns acreditam por falta de
informação: ninguém escolhe ser gay, hétero ou bi.
O uso do sufixo “ismo”, por
Guzzo, é, portanto, proposital: os homofóbicos o empregam para associar a
homossexualidade à ideia de algo que pode passar de uns a outros – “contagioso”
como uma doença – ou para reforçar o equívoco de que se trata de uma “opção” de
vida ou de pensamento da qual se pode fazer proselitismo.
Não se trata de burrice da
parte do colunista portanto, mas de má fé. Se fosse só burrice, bastaria
informar a Guzzo que a orientação sexual é constitutiva da subjetividade de
cada um/a e que esta não muda (Gosta-se de homem ou de mulher desde sempre e se
continua gostando); e que não há um “estilo de vida gay” da mesma maneira que
não há um “estilo de vida hétero”.
A má fé conjugada de
desonestidade intelectual não permitiu ao colunista sequer ponderar que
heterossexuais e homossexuais partilham alguns estilos de vida que nada têm a
ver com suas orientações sexuais! Aliás, esse deslize lógico só não é mais
constrangedor do que sua afirmação de que não se pode falar em comunidade
gay e que o movimento gay não existe porque os homossexuais são distintos. E o
movimento negro? E o movimento de mulheres? Todos os negros e todas as mulheres
são iguais, fabricados em série?
A comunidade LGBT existe em
sua dispersão, composta de indivíduos que são diferentes entre si, que têm
diferentes caracteres físicos, estilos de vida, ideias, convicções religiosas
ou políticas, ocupações, profissões, aspirações na vida, times de futebol e
preferências artísticas, mas que partilham um sentimento de pertencer a um
grupo cuja base de identificação é ser vítima da injúria, da difamação e da
negação de direitos! Negar que haja uma comunidade LGBT é ignorar os fatos ou a
inscrição das relações afetivas, culturais, econômicas e políticas dos LGBTs
nas topografias das cidades. Mesmo com nossas diferenças, partilhamos um
sentimento de identificação que se materializa em espaços e representações
comuns a todos. E é desse sentimento que nasce, em muitos (mas não em todos,
infelizmente) a vontade de agir politicamente em nome do coletivo; é dele que
nasce o movimento LGBT. O movimento negro — também oriundo de uma comunidade
dispersa que, ao mesmo tempo, partilha um sentimento de pertença — existe pela
mesma razão que o movimento LGBT: porque há preconceitos a serem derrubados,
injustiças e violências específicas contra as quais lutar e direitos a
conquistar.
A luta do movimento LGBT pelo
casamento civil igualitário é semelhante à que os negros tiveram que travar nos
EUA para derrubar a interdição do casamento interracial, proibido até meados do
século XX. E essa proibição era justificada com argumentos muito semelhantes
aos que Guzzo usa contra o casamento entre pessoas do mesmo sexo.
Afirma o colunista
de Veja que nós os homossexuais queremos “ser tratados como uma
categoria diferente de cidadãos, merecedora de mais e mais direitos”, e pouco
depois ele coloca como exemplo a luta pelo casamento civil igualitário. Ora,
quando nós, gays e lésbicas, lutamos pelo direito ao casamento civil, o que
estamos reclamando é, justamente, não sermos mais tratados como uma categoria
diferente de cidadãos, mas igual aos outros cidadãos e cidadãs, com os mesmos
direitos, nem mais nem menos. É tão simples! Guzzo diz que “o casamento, por
lei, é a união entre um homem e uma mulher; não pode ser outra coisa”. Ora, mas
é a lei que queremos mudar! Por lei, a escravidão de negros foi legal e o voto
feminino foi proibido. Mas, felizmente, a sociedade avança e as leis mudam. O
casamento entre pessoas do mesmo sexo já é legal em muitos países onde antes
não era. E vamos conquistar também no Brasil!
Os argumentos de Guzzo contra
o casamento igualitário seriam uma confissão pública de estupidez se não fosse
uma peça de má fé e desonestidade intelectual a serviço do reacionarismo da
revista. Ele afirma: “Um homem também não pode se casar com uma cabra, por
exemplo; pode até ter uma relação estável com ela, mas não pode se casar”. Eu
não sei que tipo de relação estável o senhor Guzzo tem com a sua cabra, mas
duvido que alguém possa ter, com uma cabra, o tipo de relação que é possível
ter com um cabra — como Riobaldo, o cabra macho que se apaixonou por
Diadorim, que ele julgava ser um homem, no romance monumental de Guimarães
Rosa. O que ele, Guzzo, chama de “relacionamento” com sua cabra é uma fantasia,
pois falta o intersubjetivo, a reciprocidade que, no amor e no sexo, só é
possível com outro ser humano adulto: duvido que a cabra dele entenda o que ele
porventura faz com ela como um “relacionamento”.
Guzzo também argumenta que “se
alguém diz que não gosta de gays, ou algo parecido, não está praticando crime
algum – a lei, afinal, não obriga nenhum cidadão a gostar de homossexuais, ou
de espinafre, ou de seja lá o que for”. Bom, os gays somos como o espinafre ou
como as cabras. Esse é o nível do debate que a Veja propõe aos seus
leitores.
Não, senhor Guzzo, a lei não
pode obrigar ninguém a “gostar” de gays, negros, judeus, nordestinos,
travestis, imigrantes ou cristãos. E ninguém propõe que essa obrigação exista.
Pode-se gostar ou não gostar de quem quiser na sua intimidade (De cabra,
inclusive, caro Guzzo, por mais estranho que seu gosto me pareça!). Mas não se
pode injuriar, ofender, agredir, exercer violência, privar de direitos. É disso
que se trata.
O colunista, em sua
desonestidade intelectual, também apela para uma comparação descabida: “Pelos
últimos números disponíveis, entre 250 e 300 homossexuais foram assassinados em
2010 no Brasil. Mas, num país onde se cometem 50000 homicídios por ano, parece claro
que o problema não é a violência contra os gays; é a violência contra todos”. O
que Guzzo não diz, de propósito (porque se trata de enganar os incautos), é que
esses 300 homossexuais foram assassinados por sua orientação sexual! Essas
estatísticas não incluem os gays mortos em assaltos, tiroteios, sequestros,
acidentes de carro ou pela violência do tráfico, das milícias ou da polícia.
As estatísticas se referem aos
LGBTs assassinados exclusivamente por conta de sua orientação sexual e/ou
identidade de gênero! Negar isso é o mesmo que negar a violência racista que só
se abate sobre pessoas de pele preta, como as humilhações em operações
policiais, os “convites” a se dirigirem a elevadores de serviço e as mortes em
“autos de resistência”.
Qual seria a reação de todos
nós se Veja tivesse publicado uma coluna em que comparasse os negros
com cabras e os judeus com espinafre? Eu não espero pelo dia em que os homens
concordem, mas tenho esperança de que esteja cada vez mais perto o dia em que
as pessoas lerão colunas como a de Guzzo e dirão “veja que lixo!”.
Jean Wyllys
Deputado Federal (PSOL-RJ)
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